Sabes-te morta, mas é assim que caminhas para o areal. Desces até à
beira mar como se o fluir das ondas ainda te causasse alguma empatia. O
que sentes não é passível de ser descrito, e por isso pões-te a remexer
a areia com os pés. Olhas para o buraco como se de lá fosse brotar a
solução para todo o ódio que carregas às costas. O ódio que não é senão
dirigido para ti própria. Atacas-te mentalmente com os erros que
cometeste ao longo da vida, arranhas os braços com as tuas unhas.
Pões-te em posição fetal na areia. Respiras o pó da solidão, e expiras
toda a raiva contida dentro de ti, acumulada desde a tua infância. Não
percebes o porquê, mas estás farta de tentar perceber o que quer que
seja. Estás farta de perguntas. Queres respostas para o teu sofrimento,
motivos para a solidão que vives todos os dias, razões para ele ter-te
deixado desamparada. Do teu olho meio aberto avistas um casal de mão
dada. Sentes-te agoniada. A raiva aos poucos vai-se dissipando e o vazio
toma conta de ti. Tentas encher-te com racionalizações e
relativizações, mas nenhuma das imagens que crias na cabeça te fazem
sentir melhor. Acreditas piamente que a tua infelicidade não tem
retorno, que nunca mais verás de perto os caracóis pretos dele. É a tua
única certeza. Nem sequer te cheira a maresia. O único cheiro que sentes
é o da pele dele. Aquela pele a que te agarraste tantas vezes… Uma pele
especial, macia, que te trazia protecção. Uma protecção estupidamente
ilusória. Fora essa mesma pele que te deixara naquela posição fetal numa
praia desconhecida. Levantas-te devagar e apercebes-te do sabor salgado
na tua boca. Limpas as lágrimas e caminhas lentamente para a beira-mar.
Nem te dás ao trabalho de sacudir a areia da camisa branca que trazias
vestida. A camisa que usaste na noite em que se beijaram pela primeira
vez. A pureza proveniente daquela camisa era aparente, mas ele não o
sabia, e quando soube, pouco se importou. Os erros que cometeras não
tinham a mesma proporção para ele que tinham para ti. Não te sentiste
digna daquele abraço, mas amaste-o mais por isso, e sem dúvida que o
amavas mais agora. Mas já não importava. Já nada importava. Molhaste os
pés e as pernas. Atiraste os calções para longe. Viste-os a flutuar
ritmicamente com as ondas mas foi-te totalmente indiferente. Olhaste a
camisa branca com carinho antes de a despires. Limpaste a cara com ela, e
deste-lhe um último beijo. Esquecê-lo era inevitável, aquela camisa já
não fazia sentido. Pousaste-a à tua frente e viste-a a afastar-se
rapidamente com a maré. Agora choravas descontroladamente… Não sabias se
estavas com medo de morrer ou de o perder para sempre. De qualquer das
formas respiraste fundo, sabendo ser a última vez que o farias, e
mergulhaste.
Kiki Blais
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